quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Barba por Fazer


Por Maria Olímpia Alves de Melo
         Passou perto de mim e sem parar disse-me: você está com a barba por fazer. Nada respondi. Nem mesmo me mexi. Fiquei onde estava, pensando. Lá de dentro veio sua voz, quebrando o silêncio com um grito: — Ei, estamos atrasados. Se você não vier fazer a barba não chegaremos a tempo. Fazia anos que estávamos juntos. Muitos anos. Tempo suficiente para que eu me cansasse. Sim, o cansaço era imenso. Dia após dia, noite após noite era a mesma ladainha. Puxa, hoje você não fez a barba! Por que não fez a barba ainda? Sempre em silêncio eu ia para o banheiro e fazia a barba. Silenciosamente. Duas a três vezes ao dia para que o meu rosto ficasse lisinho como de um bebê. Mas hoje eu não estava com vontade de obedecer. Abri silenciosamente a porta da sala e nem ao menos fechei. Sai andando calmamente pelo corredor, como estava: a barba por fazer. Entrei no elevador e vi que as pessoas me olhavam com o rabo do olho. Sim, minha barba estava realmente grande, desde ontem eu não a fizera. Mas, não me importei que me olhassem. Na verdade levantei bem a cabeça para que meu rosto barbado ficasse visível para todos. Pus até um sorriso nos lábios e fechei os olhos para que as pessoas ficassem mais à vontade, observando. Eu sou assim, não gosto de ver pessoas constrangidas. Quando o elevador parou no térreo tive que abrir os olhos para sair caminhando até a rua. Peguei um taxi e o motorista me olhou assustado. Dei o endereço e ele pareceu compreender. Recostei-me no banco traseiro e sonhei com a nova vida que estava planejando para mim. Passei a mão pelo rosto acariciando os pelos hirsutos e perguntando aos meus botões: será que ela ficaria com tamanho suficiente para que eu me apresentasse na sessão do próximo sábado? Fiquei imaginando que sim, pois ela sempre cresceu muito rapidamente. Minha ansiedade para recomeçar a vida que deixara há alguns anos era muito grande. Quando o táxi parou, rapidamente paguei dizendo: fique com o troco. Saí e parei em frente ao imenso cartaz, com meu rosto de anos perdidos e o anúncio bem grande: Não percam, sábado, a volta da Mulher Barbada!

MARIA OLÍMPIA ALVES DE MELO é natural de Arantina e reside em Lavras, Minas Gerais. Educadora, graduada em Filosofia, cultiva vários gêneros e publica seus escritos basicamente na Internet. Praticamente inédita suas publicações estão em jornais e revistas literárias, livros didáticos, antologias e publicações da Academia Lavrense de Letras. Mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras.


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2 comentários:

  1. Parabéns, Olímpia!!!
    Sou sua fã número 1!!
    beijos

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  2. Qualquer coisa que eu dissesse aqui soaria repetitiva...Você já sabe que conceito tenho a seu respeito como escritora: você é uma das melhores que conheço e não dá pra não dizer: esse conto me pegou de surpresa, menina! Nunca imaginei esse final, tacada de mestre! Parabéns! Abraço da Marina Alves.

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