Por Antonio
Fernando Sodré Júnior
Ele estava lá,
com flores nas mãos. Sempre as flores... Elas prendem a atenção para a
docilidade do gesto; miúdas as pétalas, engrandecem o momento; matéria dessas
de encanto, que a natureza só em seus mistérios cria. Mas uma flor retardará a
dor? Uma flor com seu perfume a deixará mais leve? Criará raízes no seio
formoso dela e será eterna na lembrança? As flores, às vezes, também falham em
sua missão. Pisadas, botões esfacelados, criam nódoa no asfalto e se vão como
qualquer coisa que tenha carbono, das mais simples e miseráveis, longe da aura,
forma de flor que tiveram um dia. Mas ele tinha a certeza do perdão, ou pelo
menos, a expectativa era muito grande. Não disfarçava aquela ansiedade de quem
deseja a tudo, o seu fim rápido. Ele, homem que guardava e zelava por um
destino que era só seu. Muitas vezes, o seu caminho foi cruzado ao de outros,
mas nesse laço, ele sempre desatava os nós da lealdade. Era, sobretudo, fiel a
si mesmo, à sua vontade. Aguardava a mulher que demorava a chegar. Sempre a
demora... Seriam aquelas horas perdidas, hesitação, momento de mágoa que a
prendia à dúvida do derradeiro encontro?
Enfim, ela
surgiu. Ele abriu um longo sorriso. Ela apenas disfarçou um riso de desdém no
canto da boca, com o olhar petrificado. Ele então entregou as flores; ela
apenas as sentiu entre as mãos, deixou-as de lado sobre a mesa. Ele esmoreceu.
Ela retirou da pequena bolsa, uma aliança, daquelas que mulheres sonham um dia
— símbolo do pacto do eterno — e lhe entregou. Ele titubeou um pouco, mas pediu
perdão, fez daquelas cenas de desespero, mas um desespero contido: ajoelhou-se
em uma só perna, e antes que ele tentasse beijar a mão que tantas vezes afagou,
ela deu meia volta impassível. A ele, só restou gritar por seu nome, mas ela
foi embora inatingível, as lágrimas correndo livres, sem olhar para trás. A
dignidade era maior que todo o amor vivido e aquela paixão ainda sentida. Ele
também chorou; uma lágrima pingada que escorreu lentamente, mas envergonhou-se;
foi criado em rígida conduta e tinha na mente ainda pudores mesquinhos e
vergonha daquilo que contraria a virilidade masculina, o simbolismo das coisas
que são e nada mais, todas passíveis de questionamento, mas tidas como únicas
verdades. Levantou-se, buscou no chão alguma migalha de orgulho, mas encontrou
apenas o constrangimento. Olhava os outros homens do bar com ar de quem
apunhalaria alguma pilhéria. Deu notas ao garçom para pagar o café e
retirou-se.
Não houve entre
os homens, e mesmo os que passavam, ar de reprovação. Todos nutriam meio
indiferentes, silêncio, espanto e estranhamento. Houve apenas o ruído do rádio
do balconista, que tentava sincronizar alguma estação, que por fim, melodiou
versos de Buarque, em Desencontro:
“Sobrou desse
nosso desencontro
Um conto de amor
Sem ponto final
Retrato sem cor
Jogado aos meus
pés
E saudades fúteis
Saudades frágeis
Meros papéis”
Era o tom da
despedida. E sobre a mesa, as flores rescendiam; quando uma mão as colheu
singelamente. Daria a elas um destino mais feliz que o dos tristes amantes.
Eles, que a fibra da paixão arrebentou-se no peito, em mais um desses
desencontros arranjados e previsíveis da vida. Mas que sempre produzem esse
efeito de crash em nossas retinas curiosas.
ANTONIO FERNANDO
SODRÉ JÚNIOR nasceu e vive em São Luís do Maranhão. Escreve para fluir o tempo
e as ideias ininterruptas da consciência. Tem textos publicados em coletâneas e
antologias.
Copyright 2013 (c) - Todos os direitos reservados ao autor. Esta obra é parte da coletânea 15 Contos+ Volume II, Helena Frenzel Ed. e está licenciada sob uma Licença Creative Commons 2.5 Brasil. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
Tadinho do nosso representante de muitos que andam por aí: guardou o orgulho no bolso e foi pra casa chorar na cama que é lugar quente
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